Numa sociedade de valores questionáveis, onde o conceito de posse é supervalorizado enquanto o de privacidade, ignorado, torna-se cada vez mais difícil etiquetar corretamente "o que pertence a quem" – um paradoxo da vida moderna. Primeiro, porque todo mundo parece querer ter o mundo, para rapidamente divulgar tal aquisição, até que outro venha e a tome para si. Segundo, porque a única coisa que alguém possui de fato nesta vida é o próprio mundo – aquela pequena bolha de realidade que se forma em torno de um ser, a qual ele colore e preenche ao seu bel prazer, criando aquilo que lhe representa de forma única perante as outras bolhas que flutuam no mesmo espaço.
As relações constantemente estabelecidas entre essas bolhas são de intersecção, nunca de posse, independente daquilo que os envolvidos por elas acreditem. Vez ou outra, vidas se cruzam, bolhas se topam e o conjunto de pertences que um indivíduo carrega, passa a compartilhar um mesmo espaço que o conjunto que lhe é alheio, mas que pouco a pouco revela alguma coisa em comum. Em alguns casos, cada vez mais raros, em que o espaço é divido e não somado, a união perdura... E a bolha mista que dela se gera, expande-se... Progressivamente... Até englobar os seres originais de tal forma que é praticamente impossível distingui-los.
Porém, na maioria das vezes, as pseudorrelações de posse estabelecidas entre os indivíduos são difíceis de acompanhar, tamanha a efemeridade com que se formam e deformam - pessoas pulam incessantemente de bolha em bolha, transformando e sendo transformadas, até voltar a sua própria bolha, contabilizando custos, perdas e ganhos. Sorte daqueles que podem, via internet, contar com a clarividência fornecida pelas oscilantes atualizações de estados (civil, geográfico e emocional) dos perfis virtuais mais próximos - o mesmo recurso que acaba com a privacidade é o que nos polpa de situações mais embaraçosas que um encontro de bolhas desavisadas poderia proporcionar. E o jogo do "está ou não está contido" acaba numa porção de conjuntos vazios, ansiosos por preencher suas lacunas de existência com uma série de coisas que nunca serão de fato suas.
As coisas, pelas quais tantos vivem, lutam e morrem, não sabem a quem pertencem. Elas não sabem sequer os nomes que lhe são atribuídos, porque em sua simples existência, as coisas não têm nomes, elas apenas são, sem maiores pretensões. As coisas não têm valores, as pessoas, sim, e os deturpam a todo instante. Quem tem filhos como forma de prevenir-se contra a solidão, carece de alternativas para lidar com a própria individualidade. Quem acredita ser dono de um animal, confunde o significado de "humanidade" com uma falsa caridade, um orgulho tolo que o impede de olhar para outras vidas a partir de um mesmo patamar. Sempre que duas bolhas se conectam, ambas se enriquecem, e está riqueza, impossível de mensurar, é a única que conta, a única que prevalece, mesmo depois do estourar das bolhas.
Da mesma forma, aquele que escreve em linhas espirais que giram em torno do próprio umbigo, não precisa de leitores, precisa de um diário. Peguemos como exemplo, esta crônica, que num dado momento foi concebida no mundo das ideias de uma autora, e de lá saiu para um papel, pulando deste para o meio digital, onde passou por diversas outras mentes e mãos com as quais interagiu até, finalmente, chegar às suas e, no entanto, já não pertence a mim, nem a ti. Não pertence à coisa alguma: está livre para apenas "ser" - e é. Embora esteja longe, muito longe de ser apenas mais um conjunto vazio.
Por: Ju Blasina
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