O universo pessoal está ameaçado de extinção.
Saudade do tempo em que tirar uma fotografia era coisa solene que exigia traje e pose. Desde que inventaram as câmeras digitais, dispensando a necessidade de filme e revelação, todos se tornaram fotógrafos e cinegrafistas.
Filma-se e fotografa-se tudo.
Câmera barata associada com a ausência de custos do fotografar e filmar banalizaram o ato. Não é preciso ter motivo e nem talento para tirar fotos.
Com a banalidade veio a vulgarização da imagem.
Não se escolhe cena e nem momento para fotografar.
Poucas pessoas pensam ou percebem que a imagem gravada poderá ser eternizada e se desdobrar em conseqüências, ganhando novos significados. Não se escolhe mais ângulo, se tiram fotos e mais fotos, se filma de qualquer jeito.
Para agravar a falta de senso geral, os arquivos digitais passaram a ser distribuídos pela rede da internet, em sites abertos, para um universo muito além do restrito mundo dos conhecidos, amigos e familiares.
São milhões de imagens disponíveis ao toque do teclado, entregues a domínio público.
Num tempo de vaidades atiçadas por ilusões variadas, divulga-se de tudo neste novo espaço de vida: imagens de festas, viagens, mas também cenas gravadas entre as paredes do ambiente de família, antes reservado e sagrado.
Todo mundo pode ver cenas que eram partilhadas apenas com os mais íntimos, com os de casa.
Incautos, simplórios e sem juízo se misturam ao venenoso grupo dos mal-intencionados colocando no amplo espaço virtual imagens de gente que gosta de se mostrar e também de pessoas que jamais gostariam de aparecer.
Imagens não autorizadas abastecem a rede de vídeos sem assunto e nem legenda, sem que e nem por que. Sem história ou argumento, vídeos domésticos ficam à disposição de quem queira ver e de quem possa ver sem querer.
Esse processo de transformação gera efeitos, exige reflexões. Muito além das questões estéticas, há aspectos éticos envolvidos na gravação e divulgação de imagens.
Talvez o tempo faça surgir formas de advertência expressas aos fotógrafos e cinegrafistas amadores, informando do risco de danos à pessoa humana e de suas consequências.
Até que a lei coloque ordem nessas novas práticas coletivas e que se crie um novo senso moral sobre o assunto, quem queira salvaguardar sua privacidade precisa saber escolher com muito maior cuidado as pessoas que permite entrar em sua vida e frequentar sua casa.
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