5 de julho de 2011

JU BLASINA: O que um gato pode comer



Semana começou com um frio tremendo – e põe tremendo nisso! Poucos dias tremidos depois, minhas narinas tornaram-se inúteis para o que se espera delas, dificultando toda e qualquer inspiração. 

Minha cabeça doía e outras partes, entre ela e o dedão do pé, também. A umidade do ar tornava estranho o meu cabelo, e o meu humor, nem se fala – o que, em tais circunstâncias, não se admira. 


Desejei reiniciar a semana! 

E ela, por sua vez, desejou reiniciar a mim. E o fez!



Convalescençadefinição enciclopédica: substantivo feminino, associado à Medicina. Período de transição entre a doença e o restabelecimento das forças e da saúde. 

Ou, segundo uma convalescente: período em que o simples ato de exercer a liberdade de ir e vir não se mostra tão simples e muito menos livre quanto se diz ser


É também um momento de introspecção e, em alguns casos, de reclusão e isolamento, ainda que forçados. 

E é quando estamos sós, e, pela primeira vez, adoecidos, que percebemos a falta que um par de braços, outro de pernas, ambos úteis, podem fazer!

Por mais visitas que um período de desgraças possa atrair, quando se divide a
casa com um animal de estimação, resta a ele a tarefa de nos fazer companhia em tempo integral e, ainda que por falta de opção, ele o faz – e o faz melhor do que qualquer humano poderia fazer


Tanto que acaba por simular um convalescer parecido com o nosso, seguindo a teoria de que sofrer acompanhado é um pouco melhor do que só

Ter uma gata como enfermeira é algo bem... interessante, mas tem lá seus contratempos: vez ou outra ela sai a pisotear sua amada paciente, nunca alcança o que é preciso (outro dia, lhe pedi um cappuccino, e ela, trouxe?) e além de tudo, ainda é preciso deixar a cama esporadicamente para lhe limpar a areia, levar a água e ver a comida – sim, ver, pois a comida lá está, ela é que, , não gosta de comê-la - e quem gosta? Eu, não!

Foto: Jairo Tx

E enquanto os humanos – apressados, ocupados, irritados – vêm e vão, a vagar pela casa, em breves visitas a circundar minha cama, com ares exagerados de leito de morte, ou em breves e vagas ligações, mensagens, memórias – em minha vida, ela permanece, imóvel, a zelar meu sono com se fosse o seu. 


É impossível estimar quanto vale um amor assim. 

E há quem questione a lealdade dos felinos... Há quem questione coisas demais por aí!

Doenças oportunistas são uma forma nada sutil do universo nos dizer “sim, você quebra, não, isso não é difícil e, só para lembrar, essa coisa fofa na qual você está sentado é a palma da minha mão, portanto, seja educado, filhinho!”. 


Sendo assim, nada nos restar a fazer a não ser reclamar, esbravejar aos quatro cantos, até perder a voz, ficar sem forças e adormecer quietinho tentando escorrer novamente por entre os dedos daquela bruta mão que nos mantém prisioneiros. 

São também bolas de ferro invisíveis que repentinamente se prendem a um pé, antes saudável, mas que, seja por sorte ou bom uso de uma série de fármacos, com a mesma pressa com que vêm, vão, deixando pra trás um pequeno rastro, senão de sequelas das mazelas, de lições que só se aprende com elas – eu ganhei uma delas:

A de que
não é na saúde, mas, sim, na doença que percebemos quão fortes são os laços que atam uns aos outros


E que a maioria dos laços formados entre leves sorrisos podem ser desfeitos com breves espirros, enquanto laços feitos no silêncio de um olhar felino, estes, continuam firmes. 

E se me perguntassem “por que?”, eu mentiria, dizendo que “um gato comeu minha língua!”, quando, na verdade, um gato comeu minha dor, com uma espécie de amor que nunca finda.

** Crônica de JU Blasina


E-mail: jrblasina@yahoo.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário