Minha cabeça doía e outras partes, entre ela e o dedão do pé, também. A umidade do ar tornava estranho o meu cabelo, e o meu humor, nem se fala – o que, em tais circunstâncias, não se admira.
Desejei reiniciar a semana!
E ela, por sua vez, desejou reiniciar a mim. E o fez!
Convalescença – definição enciclopédica: substantivo feminino, associado à Medicina. Período de transição entre a doença e o restabelecimento das forças e da saúde.
Convalescença – definição enciclopédica: substantivo feminino, associado à Medicina. Período de transição entre a doença e o restabelecimento das forças e da saúde.
Ou, segundo uma convalescente: período em que o simples ato de exercer a liberdade de ir e vir não se mostra tão simples e muito menos livre quanto se diz ser!
É também um momento de introspecção e, em alguns casos, de reclusão e isolamento, ainda que forçados.
E é quando estamos sós, e, pela primeira vez, adoecidos, que percebemos a falta que um par de braços, outro de pernas, ambos úteis, podem fazer!
Por mais visitas que um período de desgraças possa atrair, quando se divide a casa com um animal de estimação, resta a ele a tarefa de nos fazer companhia em tempo integral e, ainda que por falta de opção, ele o faz – e o faz melhor do que qualquer humano poderia fazer!
Por mais visitas que um período de desgraças possa atrair, quando se divide a casa com um animal de estimação, resta a ele a tarefa de nos fazer companhia em tempo integral e, ainda que por falta de opção, ele o faz – e o faz melhor do que qualquer humano poderia fazer!
Tanto que acaba por simular um convalescer parecido com o nosso, seguindo a teoria de que sofrer acompanhado é um pouco melhor do que só!
Ter uma gata como enfermeira é algo bem... interessante, mas tem lá seus contratempos: vez ou outra ela sai a pisotear sua amada paciente, nunca alcança o que é preciso (outro dia, lhe pedi um cappuccino, e ela, trouxe?) e além de tudo, ainda é preciso deixar a cama esporadicamente para lhe limpar a areia, levar a água e ver a comida – sim, ver, pois a comida lá está, ela é que, só, não gosta de comê-la - e quem gosta? Eu, não!
Foto: Jairo Tx
E enquanto os humanos – apressados, ocupados, irritados – vêm e vão, a vagar pela casa, em breves visitas a circundar minha cama, com ares exagerados de leito de morte, ou em breves e vagas ligações, mensagens, memórias – em minha vida, ela permanece, imóvel, a zelar meu sono com se fosse o seu.
É impossível estimar quanto vale um amor assim.
E há quem questione a lealdade dos felinos... Há quem questione coisas demais por aí!
Doenças oportunistas são uma forma nada sutil do universo nos dizer “sim, você quebra, não, isso não é difícil e, só para lembrar, essa coisa fofa na qual você está sentado é a palma da minha mão, portanto, seja educado, filhinho!”.
Doenças oportunistas são uma forma nada sutil do universo nos dizer “sim, você quebra, não, isso não é difícil e, só para lembrar, essa coisa fofa na qual você está sentado é a palma da minha mão, portanto, seja educado, filhinho!”.
Sendo assim, nada nos restar a fazer a não ser reclamar, esbravejar aos quatro cantos, até perder a voz, ficar sem forças e adormecer quietinho tentando escorrer novamente por entre os dedos daquela bruta mão que nos mantém prisioneiros.
São também bolas de ferro invisíveis que repentinamente se prendem a um pé, antes saudável, mas que, seja por sorte ou bom uso de uma série de fármacos, com a mesma pressa com que vêm, vão, deixando pra trás um pequeno rastro, senão de sequelas das mazelas, de lições que só se aprende com elas – eu ganhei uma delas:
A de que não é na saúde, mas, sim, na doença que percebemos quão fortes são os laços que atam uns aos outros.
A de que não é na saúde, mas, sim, na doença que percebemos quão fortes são os laços que atam uns aos outros.
E que a maioria dos laços formados entre leves sorrisos podem ser desfeitos com breves espirros, enquanto laços feitos no silêncio de um olhar felino, estes, continuam firmes.
E se me perguntassem “por que?”, eu mentiria, dizendo que “um gato comeu minha língua!”, quando, na verdade, um gato comeu minha dor, com uma espécie de amor que nunca finda.
** Crônica de JU Blasina
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