26 de abril de 2011

COMPLETOS ESTRANHOS

Crônica: Ju Blasina


 
Se um casamento pode, muitas vezes, trazer à boca um gosto amargo, oriundo das palavras mal digeridas, das não ditas, das mal pensadas, das excessivamente repetidas tornando o convívio um tanto indigesto, experimente a acidez de uma separação. Por mais civilizadas que duas pessoas possam ser – ou pretender assim o ser – não há divórcio que, em algum momento, não mande a moral e os bons costumes ‘pros diabos! E a casa, que até outro dia fora chamada de lar, dá lugar a um imenso - e do mais absoluto mau gosto - barraco!
Desaforos, desabafos e desafetos... E aqueles dois seres que, há pouco, formavam um “nós”, quase um, tornam-se dois “eus” de comunicação nada agradável e pouco inteligível. Ao menos por um tempo. Tempo este longo o suficiente para sobrepujar a gama de memórias – boas, ruins, mistas – que levaram anos e anos de convívio para serem lapidaram. O rancor cai sobre nós como uma bigorna desgovernada!
Ninguém sabe dizer com precisão quando começa uma separação. Imagina-se que seja algo ocorrido entre o fim de um “quem somos nós?” e o início de um “quem sou eu?”. Não que alguma dessas perguntas venham – ou precisem vir – a ser respondidas um dia, mas, o simples brotar das interrogações recorrentes acaba por trazer consigo um pequeno fio que, quando puxado, seja por curiosidade ou ignorância, arrasta um enorme novelo de problemas sobre nós.



Feitas as perguntas, puxado o fio da meada, enchidas a boca, mente e alma de amargura, a separação se faz presente. E o que foi do passado? Já foi, e o que foi, foi, agora, pouco importa. E o que será do futuro? O que será, será, ainda não é, ainda não foi, não se pode prever, nem adiar, escolher ou adiantar. O que se tem é o lugar onde se está: um fragmento daquilo que se conhecia como inteiro, mas que já não era bom o suficiente, grande o suficiente... já não era o suficiente para coisa alguma e ponto.
Quando se passa por, presencia uma, ou pensa em separação, primeiramente imagina-se que o pior nela são as brigas, as ofensas, as mágoas adquiridas, o transformar daquele que foi seu antigo grande amor, em seu mais novo e cruel inimigo. Ainda que não seja essa intenção, ainda que o desejo seja tê-lo eternamente em seu mais seleto grupo de grandes amigos. Imagina-se ainda que o mais difícil seja desvencilhar vidas tão bem entrelaçadas, o dia-a-dia de um atrelado ao do outro. E separar as contas e dividir os bens e descobrir o que fazer com os amigos em comum: enfileirá-los e submetê-los a um constrangedor uni-duni-te? Esperar e sofrer ao vê-los tomando distancia, rumo ao “inimigo”? Admitamos, não é nada fácil ser amigo de um casal recém-separado! Quando se apoia a um, se magoa o outro, quando se fica aguardando na imparcialidade, se corre o risco de ser mal compreendido por ambos, quando se tenta abraçar aos dois, se é pressionado até explodir. Como diria L. F. Veríssimo: respeito e consideração por aqueles que estão passando pela separação de um casal amigo.



Passar por uma separação requer, mais do que nunca, o exercício da arte do desapego. Não só o abrir mão de pessoas e bens importantes, mas abrir de um futuro que julgávamos conhecer. E de uma série de pequenas coisas que só se mostram valiosas com o passar do tempo: aquele filme que você nunca mais conseguirá ver, aquela música que nunca mais tocará em seus ouvidos da mesma forma, as tantas piadas que não mais serão entendidas. Uma risada que nunca mais será ouvida tão de perto. É a transformação de uma realidade e, com ela, a transformação irreversível de um ser – ou de dois, ou de vários daqueles cujas realidades tangenciavam aquela que já não existe.
Mas, o que fazer? Aquilo que parece ser a “coisa certa”, pelas razões erradas? E afinal, o que é certo e o que é errado quando se fala de amor? Ah, estamos falando de separação, logo, não há mais amor para se discutir, certo? Errado. Ainda há amor, assim como ainda há futuro e há chance para felicidade – de ambos, mesmo que juntos já não sejam aquele “nós”. Há vida. E há, principalmente, a transformação de tudo o que está envolvido no processo. Sejam eles um novo “eu”, um novo “tu”, em novos presentes e novos futuros. Que sejam eles novos, que se tornem completos, mas que com isso – e apesar disso – jamais se tornem estranhos.

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