20 de abril de 2010

PEIXEIRO - 20 de abril

A arte precisa do bailarino


Tema explorado ontem pelo caderno infantil, Agorinha, a missão por aqui hoje é seguir na mesma proposta abordada: apresentar os novos talentos masculinos na área, bem como discutir a importância da função do bailarino nesta arte que desperta paixões e atravessa as mais diferentes gerações.

>> Textos e fotos por Bruno Zanini Kairalla

Como vimos ontem, em Rio Grande, um dos centros de referência desta arte, principalmente para os novos bailarinos, é a Escola de Belas Artes Heitor de Lemos (Ebahl), com turmas voltadas para crianças a partir dos três anos. E é de lá que seguem também os nossos entrevistados de hoje.

Boa leitura!

A arte de ser bailarino


No site Youtube, o vídeo intitulado “Por que homens gostam de fazer balé?”, utiliza o bom humor para explicar o porquê homens são atraídos por esta que é uma das mais antigas manifestações artísticas no mundo.

Na primeira cena, o protagonista, ao lado de seus amigos, aparece bebendo um gigantesco copo de cerveja num bar. Em seguida, pega as suas sapatilhas e avisa que vai para a sua aula de balé. No caminho até a escola, mostra a habilidade corporal obtida nas aulas.

Os amigos, sem acreditar no que ouviram, seguem-no e lá se deparam com o colega nas mais variadas poses artísticas com as bailarinas. No final, são os amigos, fantasiados de bailarinas, que aparecem dançando em meio ao salão (Veja o vídeo abaixo).


Criativo, o vídeo, na verdade, é uma propaganda da cerva argentina Isenbeck, mas serve como exemplo para ilustrar bem essa separação de gênero que há entre homens, dança e o balé. Independente de qual seja a preferência sexual de cada um, com o tempo criou-se um mito popular de que dança é papo de mulher.

No Brasil do futebol, tem que ser macho para assumir as sapatilhas e encarar os mais diversos preconceitos. Por outro lado, há quem defenda que com a disseminação de informação e da própria cultura, boa parte desses estereótipos formados ao longa da história, estão caindo por terra abaixo. Será mesmo?!

Bom. Uma prova de que o preconceito é significativamente menor e que portanto as pessoas estão mais conscientes de que a arte não enxerga gênero e nem limites é que há dez anos atrás seria impossível escrever sobre o tema para um caderno infantil, cujos protagonistas são crianças, entre cinco e oito anos. Mas, e para quem já possui uma trajetória? Confira nos parágrafos a seguir.

“É o meu momento”


Natural de Pelotas, aos oito anos ele se tornou mais um filho rio-grandino. Na dança, a trajetória começou há sete anos, dentro da Igreja evangélica Brasil para Cristo, quando aos 13, Eliel Bandeira participou da formação do primeiro grupo de dança.

Também aos 13, sentiu a necessidade de aprimorar as técnicas no grupo e procurou pela primeira vez a Escola de Belas Artes. O interesse pela dança preenchia o seu tempo livre e, com isso, seu rendimento escolar baixou.


Passou dois anos sem dançar, mas o sonho permanecia latente. No retorno, procurou outras escolas, mas, como o “bom filho a casa retorna”, Eliel voltou em 2010 para a Ebahl. Entretanto, não só com o foco de dançar.

Estudante do 3º ano de Educação Física da Furg, aos 20 anos, o bailarino, seguidor da alemã Pina Bausch, salienta que está mais focado na expressão e didáticas das aulas. O objetivo: tornar-se mestre e produtor da arte.

“Meu mundo é a dança, mas hoje, aos 20, acho improvável crescer como bailarino. O corpo não é mais elástico, flexível”, analisa Eliel, que além do balé, se diz apaixonado pelo Jazz, modalidade que, ao lado da dança contemporânea, identifica-se mais.


“O balé é mais clássico e exige mais postura. Já o jazz é mais liberal e te dá mobilidade. Nele, se tem um espaço maior para se colocar a tua personalidade e montar a tua expressão”, argumenta.

Além de professor, o bailarino almeja focar na área de criação dos espetáculos, algo que ele já experimenta ao produzir a cada seis meses as apresentações do seu grupo na Igreja, onde hoje também atua como professor.

>> Preconceito

“Em menor grau, mas ainda existe”.

É o que pensa o dançarino sobre o preconceito com os homens bailarinos. A primeira vez que o sentiu foi logo de início, quando integrou o grupo de dança da Igreja.

“As pessoas ficavam surpresas ao me verem, pois éramos 12 bailarinos e eu o único homem no grupo. Mas, em seguida, foram se acostumando”, diz Eliel, que o decorrer de sua trajetória perdeu alguns colegas por conta da discriminação. “E o que acho mais triste é que eram homens que tinham talento e gostavam de dançar”, lamenta.



O seu principal escudo?

“Nunca dei ouvidos para o que diziam e fui por várias vezes, criticado. Se ouvia, sentia-me desmotivado. Porém, sempre me identifiquei com a dança e isso me fortaleceu. Quando danço, tenho o meu momento comigo mesmo. É quando me vejo e vejo quem realmente sou”, explana.

Para Eliel, o preconceito parte de pessoas que não entendem de arte e “são leigas no assunto”. “Pessoas que não tem uma vivência na dança e desconhecem a sua importância. Mas, o que seria da dança sem os homens? Enquanto a mulher tem o papel da leveza, suavidade, da sensualidade, o homem é a sustentação, a força. Os dois juntos são o encaixe, o equilíbrio perfeito”, conclui.

O respeito a si


Assim como Eliel, o bailarino Rodrigo Soares, 26 anos, foi e voltou neste ano à Escola de Belas Artes. Ele também é estudante do 2º ano de Educação Física e também relata o mesmo carinho pela arte da dança.

Ele que começou a sua trajetória em 1999, dentro da ginástica artística, fica em dúvida ao eleger qual dessas atividades mais lhe completa.

A dança, porém, chegou em 2002, quando através da Banda Marcial Tellechea, pode unir os movimentos da ginástica artística com a dança.

Dois anos mais tarde e já dava aula de iniciação na Dena Cia de Dança. Em 2007, encontrou-se novamente com a ginástica artística ao se tornar um auxiliar técnico desta modalidade.



“Na área profissional meu interesse é a ginástica artística, mas em termos de realização pessoal é a dança. Ela é o meu lazer. Com ela, eu conheço e trabalho o meu corpo, vejo a transformação que ocorre nele”, relaciona Rodrigo, que em seu projeto de vida aponta o desejo de se tornar professor das duas áreas.

“Sinto-me a vontade para transmitir os meus conhecimentos”, fala ele, que hoje, além de idealizar o seu doutorado e depois de participar de inúmeros cursos e festivais, sente-se mais maduro e preparado no retorno à Ebahl. Do professor Otávio Augusto, o que mais admira é a sua autoconfiança e a forma com que repassa o conhecimento.

Aptidões que pretende adicionar a sua metodologia de ensino, definida pelo modo perfeccionista com que realiza suas atividades.

>> Preconceito

Quando o assunto parte para o preconceito, Rodrigo logo pergunta ao repórter em que área quer saber. “Na família, na universidade ou na rua?”

O repórter ri e logo o indaga se isso está relacionado com a procura tardia pela dança. Ele confirma. Parte da base de sua família de origem portuguesa é da Ilha da Torotama e a outra de Passo Fundo.


Isso já indica o quanto eles preservam esse lado tradicional, do homem ser o centro da casa e que de certa forma, tens que manter”, sinaliza.

Rodrigo diz que sempre possuiu vontade de dançar e que começou por impulso, surgido pelo apoio de uma tia. “A filha dela foi dançar na Dena, mas procurei a Ebahl em 2002, pois fiquei com medo da reação dela”, conta.

Decidido a “se escutar”, com o tempo, Rodrigo cativou todos com o seu crescimento na arte, principalmente após ganhar um concurso interno.

Na plateia, a admiração de seus tios. “Foi quando viram que era sério e que eu respeitava muito o que fazia. E acho que é desta forma, com respeito por você, pelo que você se propõe a fazer é que se consegue passar por cima de rótulos, inclusive, o de homossexual, a qual logo os bailarinos são relacionados”, finaliza.

Arte que conquista


Vindo de outra geração, Auro Cássio Cruz Damasceno, 18 anos, faz parte dos bailarinos dos novos tempos. Do tipo que, por exemplo, possui pais incentivadores – mesmo o pai sendo militar -, cientes de que para a arte não existe gênero.

Resistência mesmo, só da antiga diretora da Ebahl, que ao se deparar com um menino querendo fazer aulas de balé clássico, negou a sua participação, sendo contestada pela professora Beatriz Duarte, que desde 2006 assumiu a diretoria da escola.

Auro começou aos 12 anos como modelo. Neste mesmo período, o interesse pela dança já havia se manifestado e com ele entrou para a Ebahl, de onde não saiu mais.

Prestes a concluir o Ensino Médico, o jovem já decidiu que irá cursar odontologia, além de claro continuar na dança.


“Do que depender de mim, não paro nunca”, aponta Auro, que no início do ano tomou um susto, ao ser avisado pelo médico que sofria uma doença rara do coração, e que por isso não poderia mais fazer nenhuma tipo de atividade física.

“Apontou que tinha miocárdio compactado. Estou fazendo novos exames, consultando médicos. Não quero nem pensar nisso. Posso diminuir a intesidade, mas parar jamais”, enfatiza.

Pelo seu talento já dominou vários concursos de dança. Uma das conquistas mais importantes foi a aprovação numa audição em Montevideo [Uruguai], no fim de 2008.

Com a aprovação foi convidado a dançar numa das maiores escolas artísticas do país vizinho. Morou por um mês lá, mas retornou. A saudade de casa foi maior. Hoje, diz que se arrepende. “Mas a experiência foi única”, diz.

“Além de todas as técnicas que já aprendi, na dança aprendi a me expressar e a ter toda uma disciplina. Não sei explicar o que sinto quando danço, mas é diferente de tudo”, expõe.

Fora a família, Auro diz que conta com o apoio de amigos e colegas de aula. “Há brincadeiras, mas todas na paz. Nada que seja preconceito. Digo para todo mundo que prefiro estar no meio de várias mulheres do que correr atrás de uma bola com um monte de homem suado”, responde.


“Tenho um amigo todo gaudério que inclusive falava que o balé era coisa de viado, até que um dia ele assistiu minha apresentação e chorou ao me assistir dançar”, conta Auro, que namora há um mês.

“O pai dela quando me conheceu, perguntou: ah! Então esse é o bailarino?”, diverte-se ele, que por despertar a habilidade e também a sensibilidade, vê na arte da dança um forte pretexto na hora de conquista o público feminino.

“A dança sempre me beneficiou com as meninas”, garante. Ao lado de outros nomes mundiais do balé, sua inspiração vem de professores locais, como Vanessa e o professor Fábio.

“Ele me ajudou muito. Gosto do jeito como atua. Sou fã dele”, pontua o jovem.

Os professores:

“A vontade é o que move”


É o que responde o professor e bailarino, Otávio Augusto Gomes Lima, 52 anos, ao ser indago pelo repórter qual destes elementos [a vontade, o sonho ou o desejo] era mais fundamental para um bailarino.

Exemplo vivo de que é a vontade que move desejos e sonhos, Otávio precisou dela antes de enfrentar a família para começar a sua trajetória na dança, quando ainda cursava arquitetura.

Natural de Jaguarão (RS), o porfessor, que sempre manteve o sonho de dançar guardado, teve que enfrentar dois problemas: o fato de seu pai ser Coronel do Exército e o sonho dele com a arquitetura.


“Enquanto fazia o que ele queria, a arquitetura, lembro que eu não gostava nem de assistir balé, pois olhava para uma coisa que eu podia fazer, mas não fazia”, discorre. Ao lado dele, outros seis irmãos. “Cinco engenheiros, um administrador e eu bailarino”.

Decidido a seguir o que queria para a sua vida, Otávio rompeu com a família.

“Larguei a arquitetura e uma vida boa que tinha e uma semana depois comecei a fazer aulas de danças. Paguei uma conta alta por isso, pois de início passei muito trabalho”, conta Lima, que a partir daí trilhou o seu próprio caminho, ao estudar na Escola Superior de Dança da UNICAMP, em São Paulo e concluir sua pós-graduação em Teoria do Teatro Contemporâneo, na (UFRGS), em Porto Alegre.


Lima também dançou profissionalmente em companhias de dança no eixo Rio-São Paulo e concluiu estágios em Nantes (França) e Barcelona (Espanha).

Sobre a arte ensinar e formar os bailarinos, Lima comenta que há dois jeitos de prepará-los: de forma rápida ou polida. Ele prefere a segunda opção.

“A dança cumpre uma função social; ela tem que formar um cidadão, uma pessoa com caráter e eu cobro muito isso nas minhas aulas. O bailarino tem que saber o que vai dançar, o porque dos gestos, do movimento e da forma que ele vai expressar a mensagem. A dança é um veículo de expressão dos mais profundos. Ela oferece o conhecimento do corpo e a sua capacidade de superação. A dança é um reflexo claro do meio, do contemporâneo”, evidencia.

Por fim, o professor, que trabalha num novo projeto que pretende levar para os palcos, “uma coreografia trabalhada na trilogia de uma escritora uruguaia”, reforça: “Ver a dança é escutar a música através dos olhos; é ouvir a música através do movimento, adquirindo assim uma nova percepção”.

De espectador a bailarino


Há dez anos, o professor e bailarino Fábio Domingues Martins jamais imaginaria como sua vida estaria hoje, nem mesmo que ela estaria totalmente entrelaçada e entregue a dança.

Ele que trabalhava numa indústria de adubo, deixou a cadeira de espectador para se render e entregar aos palcos, quando participava da Banda Marcial do Helena Small e foi convidado em 1999 para dançar uma valsa no espetáculo Fantasma da Ópera.

Já em 2000, integrou a equipe da Ebahl, ao se tornar auxiliar de serviços gerais. Através da sua experiência no ano interior, ingressou nas aulas de balé. “Entrava na escola as 8h e só saia depois das 22h”, comenta ele, que ainda confessa:

“Também me atraí pelo fato de dançar com um monte de mulher. No meu primeiro ano, lembro que eram 15 meninas e só eu de homem. Aquilo me deixou ainda mais interessado pelas aulas”, conta.


Em 2005, Fábio já atuava nas aulas de balé como instrutor, auxiliando e acompanhando as bailarinas, também na parte de repertório.

Fábio admite também que antes de conhecer a dança, também tinha preconceito com os homens bailarinos.

“Olhava para eles e dizia: - É tudo viadinho! Pouco tempo depois, paguei essa conta”, revela.


Quanto ao preconceito, Fábio aponta: “Na verdade, cada um forma o seu próprio preconceito. A sociedade, claro, tem a sua culpa, mas nós temos a opção de dar ouvidos ou não a qualquer discriminação.

Até porque a masculinidade não se mede pela arte e isso equivale também a todas as áreas profissionais e só quem vive e conhece a dança percebe que não existe essa relação entre balé e feminilidade”, explana o professor.


Fábio também garante que pela maturidade começou na hora certa, porém, aos 28 anos, confirma que pela questão da capacidade física, da desenvoltura do corpo e da musculatura, gostaria de ter iniciado na dança mais cedo.

Enquanto Otávio leciona aulas para maiores, Fábio conduz as turmas de babayclass e o preparatório. Fala que não é possível avaliar se determinada pessoa tem ou não talento para a dança, pois cada um tem o seu tempo e a “hora do estalo”.

Por lidar com os alunos novos, ele também critica os pais que exigem demais de seus filhos, transmitindo neles sua vontade e desejo para que se tornarem grandes bailarinos.


Para o futuro, o bailarino tem planos de dirigir e coreografar espetáculos na área. “Nessa minha trajetória, já fiz um pouco de tudo, desde a edição de som e criação de peças, cenários.

E isso me deu um conhecimento. Mas, antes sei que tenho que estudar mais e me preparar para isso. No futuro, acho que vai me dar este estalo”, acredita. E o que o balé contribuiu em termos de autoconhecimento?

“Em tudo! Contribuiu em todos aspectos e em todas as áreas. A dança é o meu conforto. Ela está presente em todos momentos e em cada etapa da minha vida. Com ela fui amadurecendo e me conhecendo”, finaliza.


Um comentário:

  1. achei muito interessante resaltar nossa arte tive a oportunidade de dançar com rodrigo na mesma epoca da banda tellechea e trabalho com a dança ate hoje tenho 26 anos e hoje resido em sao lourenço do sul aqui tenho minhas turmas e trabalho com a dança em projetos da prefeitura.gostaria de ter a oportunidade de trazer vcs aqui p dar uma oficina aos minhas alunas,alunas pois infelizmente o pre conceito aqui ainda é forte,varios meninos com talento nao se dedicam por medo e ate receio deste pre conceito.

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