5 de julho de 2010

Segunda parte:

Dona do próprio realce


No caso da artesã papareia, Maria de Fátima Corrêa Cardoso, 55 anos, o realce surgiu muito antes de sua participação na coluna, sábado passado (veja abaixo):


Texto e fotos-reportagens: Bruno Zanini Kairalla

Sua energia cativante diante da vida, logo prova que ela é dona dele e também de muitos outros talentos.

O principal deles foi o que captou a atenção não só de Bira Lopes, mas de quem se detém cinco minutos para ouvi-la e conhecê-la: sua criatividade e capacidade artística para dar vida aos materiais descartados.

Detalhe: todos reciclados por ela.


Talento descoberto tardiamente, há apenas três anos, mas que hoje a faz receber merecido destaque dentro do Ponto de Cultura ArtEstação (abaixo).

Em sua segunda exposição - a primeira foi em Bagé (RS), há dois anos -, a mostra reúne boa parte dos ilustres figurinos criados pela artista.

A outra está em seu ateliê particular que ela mantém num dos modestos quartos de sua casa, na Vila da Quinta. É nele que ela passa horas, muitas vezes, madrugadas bolando suas criações.


Também é lá que está presente a extensão mais próxima do seu universo: sua máquina de costura.

Com mais de 70 anos, ela foi doada por um amigo e preservada com o mesmo brilho de cada nova peça criada, refletindo sua sensibilidade de transformar “o lixo” em peças originais.


Logo na recepção de sua casa (acima), o orgulho do seu trabalho: uma fantasia de baiana feita com as embalagens de café em pó (primeira foto acima).

Mais à frente, na estante, estão taças de garrafas pets, seguida por uma 'meleira' (abaixo) e um objeto de decoração, também das pets.


No ateliê, estão botas, sandálias, vestidos, blazeres, casacos e blusas que reaproveitam os mais diversos materiais, vilões da natureza, como sacos plásticos, de leite, latas e lacres metálicos, couros, sacos de rações para cachorros, entre muitos outros.

O começo


O ponta pé foi dado quando a artesã retomou os estudos.

“Sentia-me parada no tempo. Queria trabalhar, mas não tinha oportunidades”.

Foi, então, que ela as criou.


Nas aulas que lhe fizeram retornar ao Ensino Fundamental, um projeto artístico de uma professora da Ebahl lhe deu a chance de tecer sua primeira criação: um vestido feito de papel.

Após, Fátima se tornou voluntária de uma das empresas que trabalham e reciclam lixo na cidade.

Do lixão, ela retirava o material que precisava.

“Estava disposta a fazer do lixo algo que fosse bonito”.

Em sua casa, ela lava e, pacientemente, cada objeto.

A atividade logo se tornou prazerosa.

“Sinto-me realizada”, aponta ela.


Outro detalhe importante nesta história é que além de nunca ter freqüentado um curso de corte e costura, Fátima tem a visão prejudicada por uma miopia e um incidente ocorrido anos atrás.


“Vi a filha de uma vizinha ficar em chamas. Saí desesperadamente da minha casa e não percebi que o pessoal da CEEE estava trocando os cabos. Bati com o rosto e fiquei desacordada por três dias. Depois, soube que sofrera um rompimento na retina e que tinha perdido a visão”, conta ela.

Entretanto, Fátima garante que sua deficiência não é superior à sua garra e força de vontade.

Leva no máximo dois dias para fazer um vestido.

“Numa apresentação de final de ano da Escola fiz 13 vestidos. Também já tirei o primeiro lugar com a bandeira da Invernada da Escola. Sou muito de olhar algo e de repente, não penso. Vou lá e faço”, orgulha-se a mãe de uma filha com 39 anos e avó de três netos. “Um tem 15 anos e o casal de gêmeos tem 11. São os lindos e maravilhosos da vovó”, exclama ela.

Fátima se concentra agora na confecção de um vestido de noivo, trabalhado em dezenas de laços, todos reaproveitados de papéis de absorvente!

No realce


No total, quatro cupons foram necessários para deixar Fátima frente a frente com Bira Lopes. “Nem esperava que me chamassem. Quando soube, minha emoção foi enorme. No dia, de tão eufórica mal deixei ele falar”, diz ela, aos risos.


Ainda sobre a experiência, ela conta: “Foi um reencontro com uma Fátima dos 22 anos, aquela que ainda nem usava óculos e que eu nem sabia que ainda existia”.

Viúva, depois de alguns anos Fátima voltou a se apaixonar.

Com isso, a artesã salienta que sua auto-estima sempre foi elevada.

“Sempre me amei e fui uma pessoa que ama a vida e, apesar de tudo, acorda e dorme sorrindo todos os dias”, garante ela.

Porém, com o Realce, passou a se sentir ainda mais bonita e atraente.


“Aquele homem tem mãos de anjo. Consegue fazer o que ninguém mais faz”, assegura Fátima, que ainda complementa dizendo que desde a sua participação na coluna procura reproduzir os efeitos da maquiagem feita pelo artista Bira Lopes.


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