Por Bruno Zanini Kairalla
Contato: bruno.kairalla@gmail.com
Imagens: Bruno Kairalla/Divulgação
São José do Norte é por si só uma terra surpreendente. Com mais de 25 mil habitantes, o clima por lá é de renovação devido o aguardado renascimento de sua economia, agora impulsionada pela promessa de instalação de estaleiros e de novos empreendimentos.
Clima este alimentado também por ricos cenários naturais e um povo guerreiro, de natureza simples, integralmente voltado à fé, ao mar ou mesmo a Laguna dos Patos. É motivado por qualquer um destes elementos que muitos explicam suas origens, contam suas histórias.
Para os nortenses, a fé não apenas move montanhas, como também possui o poder de levar até elas. E desta forma, a "Mui Heróica Villa" comemora orgulhosamente desde a última segunda-feira, 24, o bicentenário da festa religiosa mais antiga e tradicional do Estado: a Festa de Nossa Senhora dos Navegantes.
Para comemorar os 200 anos, o Município vizinho e irmão da cidade do Rio Grande, e, com ela, também berço deste Estado, desenvolve uma extensa programação religiosa, social e cultural. Entretanto, por trás de suas atrações, estão pessoas, mulheres, que há anos se dedicam ao evento, como dona Aída da Costa Vieira (abaixo).
Dos 200 anos de caminhada, dona Aída possui 84. Conheceu a tradicional festa ainda bebê, quando foi levada por sua mãe até a Santa. Passar os conhecimentos religiosos e fazer com que a fé se firme entre gerações é um compromisso familiar ainda hoje presente em São José do Norte.
Ainda mais para dona Aída, mãe de nove filhos e, inacreditavelmente, avó e bisavó de 82 de netos/bisnetos. “Não. Este número era quando comemorei os 75 anos”, corrige-se. “Sou tataravó de 14 tataranetos”, informa ela, avó, portanto, de três gerações. E a fé, pergunte a dona Aída, também está presente em todos os membros da família.
Pela idade avançada, hoje, dona Aída atua como ajudante voluntária na organização da Festa, mas seu envolvimento já foi mais intenso. Ao lado do marido, também já foi uma das festeiras da tradicional Festa. Como voluntária e também uma das fundadoras, atende há quase 40 anos as comunidades de Jesus de Nazaré e de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, esta última na localidade conhecida por “cidade baixa”.
As duas comunidades estão ligadas a Matriz São José, onde foi batizada e atua como ministra da eucaristia. Também presta trabalho voluntário para a pastoral da criança.
Como a própria menciona, passa mais na rua do que em casa. Levanta na madrugada para cumprir com as atividades. - Desde menina, minha mãe me deu [ensinou] esse caminho da Igreja - expõe ela, que estudou até a 6ª série.
A nortense recorda do tempo em que as ruas de sua cidade eram tomadas de areia. - As casas eram separadas apenas por plantas. Ao invés de muros, plantas. Meu pai foi um dos primeiros capatazes da Prefeitura - indica ela, saudando os 84 anos de sua memória.
Bom e se é para falar do bicentenário e contar histórias, ela faz questão de começar pelas duas estrofes iniciais do hino de sua cidade: - Eu sou nortense e tenho amor a minha terra - Morro por ela no campo ou na cidade. Sobre a Festa, dona Aída apura que um dos principais objetivos da equipe é resgatar tudo o que pertence a sua história. O que considera mais importante deste bicentenário? O respeito e a preservação das tradições. Um momento feito, segundo ela, para orar e agradecer.
- Pedimos muito por graças, a todo instante. Alguns acham que elas não chegam, acham que não as recebem, no entanto, só pelo fato de estarmos vivos, demonstra que as recebemos diariamente - ensina.
Casada por 56 anos e há onze viúva, seu marido atuou como pescador. A pesca também foi o principal ganha pão da família. No norte, a profissão é a principal aliada da economia; técnicas e conhecimentos repassados de pais para filhos.
E com tantos filhos, netos e genros que atuam pelas águas nortenses, não é difícil compreender a devoção a Padroeira dos Navegantes, pois a memória também está fortemente ligada a ela.
- Lembro das vezes que fui chorar nas areias da praia do Mar Grosso, quando eles saíam para o mar e demoravam a retornar. Das angústias dos temporais, das faltas e falsas informações que chegavam, dos momentos que meu marido retornava quase morto para casa. Em todos essas ocasiões, Nossa Senhora estava ali, presente comigo, dentro de mim, envolta aos meus sentimentos - denuncia ela.
- Todo o homem que vai para o mar, não sabe se volta. Bem, só o que peço a ela é que dê muita força para todos os navegantes. Rezando a gente alcança. É preciso nunca perder a fé na vida - finaliza dona Aída.
“O resgate da cultura”
Esta foi a resposta da notável nortense Angélica Souza de Souza (imagem acima), 21 anos, sobre a importância da Festa de navegantes mais antiga do Estado. Princesa em 2009 da 12ª Festa do Mar, Angélica observa também sobre o que ela representa para a sua cidade.
- Uma semana que a união é mais forte. Todos esperam por esse dia. Quando ele chega, todos se tornam um só - argumenta ela, filha de pescador. Assim como dona Aída, a nortense também já passou por “vários momentos de tensão”, alimentados geralmente pelos dias de mau tempo, e nas tempestades em alto mar.
- Quando estão no mar, o sentimento para quem fica em terra é o de angústia, de ansiedade, pois muitos passam mais de 15 dias sob as águas. Com isso, aprendemos a lidar com a saudade e a ter fé, a orar e acreditar que tudo está bem. Quem tem fé e acredita se sente protegido -, sinaliza Angélica.
A nortense aponta que a Festa também proporciona momentos para uma reflexão interna, além de poder ouvir histórias, estar do lado de quem se gosta, agradecendo por quem retorna do mar e orando por quem por ele foi levado. - Na Festa é impossível não se emocionar. Tudo fica ainda mais vivo. Detalhes e paisagens que no dia a dia nem percebemos e estão sempre ali, contemplando-nos - ressalta.
E já que estamos falando em resgate de cultura, num dos salões paroquiais da Matriz São José foi aberta nesta semana uma exposição que remonta um pouco do cenário deste bicentenário, através de um acervo que apresenta diferentes objetos, como castiçais, fotografias de edições anteriores, vestimentas, imagens e quadros de reconhecidos artistas plásticos da região.
E foi neste local que acabamos encontramos o casal de Passo Fundo (RS), Claudia Aresi, 36 anos, e Márcio Soares, de 33. Atraídos pelas belas paisagens e a rica arquitetura colonial portuguesa, Cláudia e Márcio foram conferir o centro histórico e tombado de São José do Norte.
Casados há sete anos, disseram-se encantados com que viram na região. No encontro, revelaram ainda que não sabiam do bicentenário da Festa, nem que ela era a mais antiga do Estado, porém, foi uma ótima oportunidade para conhecê-la. “Tudo está muito bonito, valeu o passeio”, declarou satisfeito o casal.
Antes da partida de nossa Mui Heróica Villa, eis que se apresenta dona Conceição Gautério Paganelle, de 60 anos, uma das festeiras da festa. Batizada no dia 02 de fevereiro de 1950, dona Conceição nos conta que nasceu muito doente.
Apesar dos médicos não acreditarem em sua recuperação, Conceição fala que sua avó e madrinha, Clotilde, decidiu lhe colocar aos pés de Nossa Senhora dos Navegantes, dentro da caravela usada para levar a imagem até o mar, pedindo e orando pela recuperação de sua neta.
Com a recuperação, o batismo e também a devoção. - Tudo o que eu peço, ela me ouve e me dá. Converso muito com ela, sobre tudo. Sou muito grata pelas graças alcançadas e por tudo que ela já intercedeu por mim - declara.
Histórias & Curiosidades
Fonte: Prefeitura de São José do Norte
- Há 18 anos, a Festa foi incluída nos eventos oficiais do Município de São José do Norte.
- Construída em 1830 e inaugurada oficialmente em 02 de fevereiro de 1855, a Matriz São José (acima) guarda em sua história relatos de que, na verdade, esta inauguração teria sido realizada em 1º de fevereiro de 1860, pelo vigário Francisco Rodrigues, com o nome de “Nossa Senhora dos Navegantes”. Antes da Matriz, a principal capela era uma sucursal da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, presente na localidade do Estreito.
- O movimento de festividades em veneração à Nossa Senhora dos Navegantes foi iniciado por um grupo de homens engajados nas operações de carga e descarga que atuavam nos navios fundeados, prestando atendimento através de catraias [pequenas barcos]. A escolha do dia 02 de fevereiro se deu pelo calendário católico, que dedica este dia à Purificação de Nossa Senhora.
- Em 1811 utilizavam, no entanto, uma imagem de Nossa Senhora do Rosário, visto não existir figura alguma da Virgem. No dia, as catraias eram ornamentadas, acompanhadas pelo vigário da povoação. A procissão seguia até a praia, quando todos tomavam seus lugares nas catraias, partindo em direção aos navios fundeados. Ao passar por eles, o vigário lançava a sua bênção enquanto os fiéis posicionavam suas oferendas florais nas águas.
- Anos depois, o templo de São José ganhou a sua imagem de Nossa Senhora dos Navegantes, sendo oferecida a Irmandade por capitães, mestres tripulantes de variadas categorias, homens que, vivendo os perigos do mar, em frágeis embarcações, enchiam-se de fé para implorar a proteção da Virgem. Feita na Bahia, a Imagem era de pequenas dimensões.
- Colocada no interior de um barquinho delicadamente confeccionado, a imagem chegou ao Rio Grande no dia 21 de dezembro de 1875 e logo foi levada para a Igreja Matriz São José, na época ainda conhecida como Nossa Senhora dos Navegantes da Vila do Norte, levada em procissão pelo canal, a bordo de uma catraia rebocada e seguida por um extenso cortejo de embarcações.
Serviço
- O quê: Bicentenário da Festa de Nossa Senhora dos Navegantes
- Até quando: 02 de fevereiro
- Local: Igreja Matriz de São José
- Informações: (53) 3238-1136
- Acesse: www.festadosnavegantes.com.br
Programe-se:
Sábado, 29.11
07h30 - Terço Matinal (Matriz São José)09h - Abertura da Feira das Exposições, dos Museus e da Feira de Artesanato; Programa no Compasso da Cultura, ao vivo na rádio Nativa
17h - Grupo teatral, Caras de Pau, em: "Histórias de Pescador", no palco de shows
19h - Apresentação da Banda Democrata, no palco de shows
21h - Na Matriz São José, 6ª noite da Novena - Tema: "Com Maria aprendemos a ser missionários, fortes e solidários".
22h - Entrega de prêmios aos vencedores do Concurso Literário e show da banda Status Offline no palco de shows
Domingo, 30.11
07h30 - Terço Matinal (Matriz São José)
10h - Abertura da Feira de Artesanato, das Exposições e dos Museus
17h - Mateada rádio Oceano FM; apresentação de invernadas e do projeto Semente Esperança no palco de shows
21h - 7ª Noite da Novena - Matriz São José
22h - Show da banda CIA MP5 e Quinteto, no palco de shows
Segunda-feira, 31.01
07h30 - Terço Matinal (Matriz São José)
18h - Abertura da Feira de Artesanato, das Exposições e dos Museus
21h - 8ª Noite da Novena - Matriz São José
22h - No palco de shows, a banda Tchê Forró
Terça-feira, 01º.02
07h30 - Terço Matinal (Matriz São José)
18h - Abertura da Feira de Artesanato, das Exposições e dos Museus
21h - 9ª Noite de Novena (Matriz São José)
22h - No palco de shows, o som da Cia do Maxixe
Quarta-feira, 02.02
07h30 - Missa da Luz - Dia da Festa de N. Sra. dos Navegantes
09h - Abertura da Feira de Artesanato, das Exposições e dos Museus
10h30 - Missa Festiva: "Com Maria, na fé e na perseverança celebramos 200 anos de caminhada"
12h - Almoço no salão paroquial e na sede do E. C. Liberal
15h - Procissão Marítima e Benção dos Barcos
16h - Missa com Frei Giribone
18h30 - Chegada da procissão marítima e procissão terrestre
19h - Escolha dos novos Festeiros e sorteio da rifa
19h30 - Baile dos festeiros - Local: Salão Paroquial
21h - Show com as bandas Foliões do Forró e Tchê Forró - Encerramento: Show Pirotécnico