É crescente o grupo dos que viajam.
Está cada vez mais fácil, dá para pagar em dez vezes sem juros. Há pacotes de todos os tipos, para todos os gostos, incluindo quase tudo, só não vem junto um manual de instruções e advertências.
As sedutoras vantagens dos pacotes antecipados impõem um custo embutido, que pode sair bem caro: o cliente assume o compromisso de cumprir o carnê turismo, independente das chuvas, trovoadas e mudanças de ideia.
O aquecido mercado do turismo sabe empacotar bem seu produto, vendido sem restrições para todo tipo de pessoa. Ai tem gente de temperamento acomodado e espírito urbano remetida para ambientes nativos, vivendo dias de medo e nojo.
Ou, o contrário, gente que adora liberdade, cumprindo rotinas de horários e lugares estabelecidos, levada por guias ao melhor estilo de jardim de infância: para cá, para lá, animados por brincadeiras constantes.
Há também um número cada vez maior de famílias ou grupos que viajam de carro, com roteiro próprio, mas nem sempre carregando na bagagem o indispensável espírito de aventura.
Brigas na viagem são frequentes, pois o convívio é permanente, íntimo e exige muito maior tolerância e entendimento do que no cotidiano comum.
Às vezes o estresse se estabelece desde a saída, com divergências sobre malas e lugares, até o retorno, trazendo relatos de desavenças.
Sair de viagem não faz a mágica de fazer de uma pessoa, um viajante. Não basta se deslocar de um lugar para o outro para se tornar um viajante. É preciso mais do que isto.
É necessário ser realmente capaz de se colocar de passagem, de se entregar de corpo e alma às incertezas do caminho.
Por mais bem pensado que seja o roteiro e mais prudentes que sejam os planos, sempre sobrará enorme espaço para o imprevisto.
Aí está a essência de uma viagem.
Viajar é sempre uma aventura, uma experiência repleta de novidades, cujo modo de enfrentar depende – essencialmente – do olhar do viajante.
Quem tem olhos de viajante saboreia cada detalhe, cada momento, seja lá onde for: das artes de museu aos cheirosos sabores das feiras livres.
Viajante olha para os lados, para cima, para baixo. Observa, se encanta com uma experiência que é sempre única, irrepetível.
Quem é viajante sabe que por mais que se volte a um lugar, nunca se poderá reviver a experiência: o lugar estará diferente – e olhar também. Assim, num eventual retorno, haverá um novo encontro, uma nova experiência, outra visão.
Viajantes são os que correm riscos e assumem com naturalidade suas conseqüências, do mesmo modo como carregam a bagagem necessária, sem reclamar o incômodo de seu peso, pois a mala faz parte da viagem.
Assim como comprar o carro não habilita, automaticamente, a pessoa a ser motorista, poder pagar uma viagem não faz de ninguém um viajante.
Crônica de Sílvia Lúcia
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