- Sugestões: bruno.kairalla@gmail.com
- Fotos-reportagem: Bruno Z. Kairalla
O assunto já é batido em qualquer ambiente social, no entanto, sua constante discussão torna-se sempre fundamental na formação de jovens que, independente da escola ou da família, decidem – e cada vez mais cedo - pelos caminhos que desejam e querem seguir.
Drogas são temas corridos, porém, superficialmente entendidos, principalmente quanto mais distantes de nós ou dos motivos que nos levam até elas. Talvez, por isso mesmo, a temática tenha servido apenas como um complemento de tudo o que foi abordado por estes estudantes nas manhãs de quarta e quinta-feira desta última semana.
Debate aberto,
crescimento direto
No mundo em que as informações correm na velocidade da luz, da internet e do contato virtual das redes sociais, já não é preciso esmiuçar o assunto. Melhor é vivê-lo, senti-lo em sua mesma proporção.
Responsáveis pela construção geral do espetáculo, estudantes de três turmas do terceiro ano do Ensino Médio, dominaram o palco do auditório da Escola Técnica Estadual Getúlio Vargas.
A principal proposta foi deixar os estudantes livres, longe de interferências para criarem uma peça cujo destaque fossem às drogas.
Criativos, ousados e ligados no contexto geral foram além ao contemplarem outros temas conflituosos, como a anorexia, a gravidez indesejada, os preconceitos (raciais, comportamentais e sexuais), e as relações familiares. Situações que em vários casos conduzem para o caminho das drogas.
Com isso, nos últimos meses, eles se revezaram no papel de direção, roteiristas, contra-regras, produtores, cenógrafos e, claro, atores. A trilha sonora também foi deixada por conta de seus gostos e escolhas.
Inspirados pelas histórias próximas de suas realidades, quando elas não se confundem com a sua própria, a principal mensagem deixada por seus trabalhos foi objetiva: Cada um tem o poder de decidir o que bem quer para a sua vida, como também, administrar as suas próprias conseqüências!
No controle de suas
próprias escolhas
Segundo a incentivadora, a proposta nasceu depois da dramatização de um julgamento, cuja temática foi a utilização de células tronco no tratamento de doenças degenerativas.
“Fiquei entusiasmada com a receptividade dos alunos e resolvi propor a realização de uma peça teatral onde o tema central seria o uso indevido de drogas. Das quatro turmas, só uma não quis participar do projeto. As demais ficaram entusiasmadas e trabalharam bastante”, conta a idealizadora e professora de biologia, Dulce Helena.
Quanto a liberdade de expressão, a professora assegura que, na verdade, o propósito foi provocar em seus alunos a busca pelas respostas de tantos questionamentos que hoje se fazem. “Durante os ensaios, ofereci algumas sugestões e eles escolhiam se aceitavam ou não”, pontua a professora.
Dulce comenta que esta não foi a primeira vez que provocou o debate – muito mais de ordem interior. “Em 2008, durante a semana do Ensino Médio de nossa Escola, eu e mais duas colegas apresentamos para os alunos e professores uma oficina sobre a homofobia e isto foi muito bom, pois permitiu que muitos fizessem uma revisão nos seus conceitos”.
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“O maior ganho deste trabalho foi perceber o conhecimento que eles possuem sobre os efeitos que as drogas causam na vida do usuário, da família e das pessoas que convivem com ele. E com este debate aberto fazê-los perceber que somente eles possuem o poder de decidir o que querem para suas vidas. Espero que de alguma forma tenha conseguido sensibilizar meus alunos de como a liberdade é importante e que as drogas escravizam”, conclui.
Resposta dos alunos
Em conversa com o repórter do Mulher Interativa, ao fim das apresentações, os alunos se mostraram bastante empolgados pela conclusão do trabalho. Também destacaram uma das principais forças nascidas com ele: a união da turma na elaboração do projeto. Todos foram contundentes ao reforçarem que se já não viveram ao menos conheceram pessoas que passaram por alguma situação exposta nas peças.
Ironias a parte, a roteirista de uma das peças, Deize Amaro (acima), 18, nem sonhava que estava grávida quando começou o trabalho, hoje vivendo o seu segundo mês de gestação. “Não planejei, mas estou tranqüila, porém, o único conselho que dou é: usem camisinha”, diz ela, que namora há um ano e já alguns meses vive com o seu companheiro.
Outro que também declara uma mudança em seu comportamento, principalmente em seu modo de pensar, é José Pereira da Silva Jr. (abaixo), 18. Júnior confessa que antes tinha um olhar machista e preconceituoso sobre os homossexuais.
Com um primo na família que enfrenta a discriminação, aos poucos o jovem foi mudando sua forma de encarar a realidade. A melhor prova dessa mudança ele diz que foi aceitar o desafio de encenar na peça uma personagem que passa por este tipo de discriminação. “Hoje vejo melhor o sofrimento e o desrespeito que estas pessoas enfrentam”, salienta.
“Chave de ouro”
Ao fim das três apresentações, a professora Dulce Helena Martins Faria, 48 anos, já não conseguia esconder a sua emoção. Não só porque foi homenageada carinhosamente por seus alunos, mas porque, sentiu-se em missão cumprida.
“Encerrei com chave de ouro”, disse ela na ocasião, que próxima dos seus 27 anos de atuação, no fim do ano terá a sua aposentadoria. Ao lado dela, o filho mais velho prestigiou o resultado de seu trabalho (abaixo).
Formada em Ciências Licenciatura Curta (1983) e Plena, com habilitação em Biologia pela Furg (1985), Dulce Helena, quando ainda nem pensava em ser professora, “queria ser veterinária”, cursou o ensino fundamental na Escola Bibiano de Almeida e depois no Colégio Lemos Júnior.
“Como só havia curso de veterinária em Pelotas acabei indo para a área de Ciências, o que me direcionou para o Magistério. Hoje, mais do que nunca, sei que nada é por acaso, isto é, tenho convicção de que fiz a escolha certa”, completa ela, que ainda ensina:
“Nestes quase 27 anos de profissão posso afirmar que mais aprendi do que ensinei, pois uma depende da outra e ensinar implica também no ato de aprender”, observa.
Avaliação profissional
“Penso que se os políticos realmente se preocupassem mais com a educação, as nossas escolas seriam ambientes bem melhores com mais recursos, prédios mais conservados, professores mais motivados e melhor remunerados, e como consequência disso tudo nós teríamos um povo mais culto e educado”.
Quanto à aposentadoria, Dulce Helena confessa-se assustada pelo desligamento que isso exigirá das atividades e contatos diários, entretanto, já programa retomar os estudos das aulas de inglês deixadas no passado, ingressar numa especialização na área da educação, além de dar a continuidade ao trabalho que presta para o Grupo de Mãos Dadas.
“E também ficar mais próxima da família, viajar e fazer tudo o que antes não foi possível por conta dos compromissos profissionais”, programa.
Lições
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Também perguntamos a professora qual foi a maior lição deixadas pelos estudantes. “Respeitar a individualidade e o tempo de cada um e o mais importante: através dos meus alunos, aprendi a lidar com os meus filhos, entendendo melhor todos os conflitos normais da adolescência”.
A professora também compara as maiores diferenças do comportamento de antigos e novos estudantes. “Noto os jovens hoje meio perdidos, sem objetivos. Isto muitas vezes dificulta o processo ensino-aprendizagem. Penso que muitas vezes a ausência da família [por motivos vários] e do diálogo favoreçam este cenário”, diz.
E aos novos educadores, sua mensagem: “Que façam do ato de ensinar um momento de prazer e não se deixem abater pelas dificuldades; que busquem através delas motivo para o crescimento pessoal e profissional”.
Quanto ao projeto, indagamos, por fim, a professora:
- Visto toda essa revolução tecnológica, a facilidade de encontrar informações, a senhora não acha que um projeto como este deva ser estimulado antes mesmo do Ensino Médio?
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“É óbvio. O diálogo tem de estar sempre aberto tanto na escola como na família desde a idade mais tenra. Não só drogas, mas também a sexualidade, o preconceito, o bulling, devem ser discutidos por todos os educadores (independente da disciplina), pela comunidade educativa como um todo, pois isto só contribuiria para uma sociedade melhor”.
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