Um ícone da longevidade
Textos: Bruno Zanini Kairalla
- Colaboração: Fernanda Miki
- Fotos-reportagem: Bruno Z. Kairalla
Fundada oficialmente em 27 de junho de 1857, a cidade de Canguçu reúne hoje em suas altas atitudes uma população estimada em mais de 57 mil habitantes, dos quais uma em especial, além de ser considerada uma ilustre canguçuense, também é reconhecida como uma das mais antigas moradoras ainda vivas da localidade, bem como do próprio País.
A carteira de identidade expedida há 21 anos corrobora que Presolina Coelho chegou em 24 de julho último, no auge dos seus 111 anos. Nasceu, portanto, em 1899, quarenta e dois anos depois da fundação do lugar que ainda hoje vive e mantém um carinho todo especial.
Próximo de completar dois anos de circulação, o caderno Feliz Idade chega hoje a sua 100ª edição homenageando esta ilustre canguçuense e também ‘supercentenária’ – como são chamadas as pessoas que ultrapassam a faixa dos 110 anos.
Ela que foi “parteira”, ajudou no parto de inúmeros bebês e criou outros tantos, numa época em que para se deslocar o meio de transporte utilizado era o cavalo e a charrete.
Agradecimentos, porém, precisam ser efetuados.
Em especial a Heloísa Telesca Motta, 64 anos, que, gentilmente, entrou em contato com a nossa equipe para sugerir a presente reportagem com a notável cidadã de sua terra natal.
Heloísa, que reside hoje em Rio Grande, passou os contatos de sua família em Canguçu aos repórteres do Feliz Idade, que foram fortemente acolhidos na última segunda-feira, 23, pelo seu irmão, Adriano Telesca Motta.
Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Canguçu, Adriano recebeu-nos em seu escritório localizado ao centro do Município. Assim que cumprimentou os repórteres, o advogado fez questão de repassar algumas informações sobre a dinâmica e o modo de vida local, um pouco de sua história, bem como mencionou o que dona Presolina representa para a cidade.
- Ela é um ícone de longevidade -, enfatizou Adriano.
O advogado fez questão de disponibilizar uma de suas funcionárias e o filho, Augusto (foto acima), para que acompanhassem-nos até o local onde reside a entrevistada. Atencioso, Augusto não só recepcionou a equipe do Agora no local, como também participou ativamente da entrevista que você acompanha nos parágrafos a seguir. Boa leitura!
Catuia
Ela vive numa das regiões mais altas de Canguçu, uma cidade encantadora que integra as chamadas “Serras do Sudeste”, contemplada por 386 metros de altitude. O lugar onde reside já há alguns anos é conhecido como a Região das Antenas.
Popularmente, ela é conhecida nas ruas como Dona Catuia, um pseudônimo que rapidamente a identifica e que foi carinhosamente adotado por Presolina Coelho, que já algum tempo mudou-se para a casa de sua cunhada, Teresinha de Jesus Nunes Coelho, a completar no próximo sábado, seus 70 anos.
É Teresinha quem recepciona a nossa equipe de reportagem e traça uma breve sinopse sobre a trajetória e a personalidade de sua ilustre moradora. Também é ela quem nos conduz até o andar de baixo, onde Presolina vive separadamente, sem quaisquer tipos de interferência.
“Ela é muito independente e não gosta de esperar pelos outros”, define sua cunhada. Este, por sinal, é um dos traços de sua personalidade que nossa equipe depara-se tão logo adentra à casa de Catuia: tudo arrumadinho e em seu devido lugar.
Como fomos recebidos? Com largo e afetuoso sorriso indicando que podíamos entrar e nos sentir a vontade. A cozinha divide o espaço com o seu quarto, sendo os ambientes limitados por armários e pelo guarda roupa.
E é na cozinha, o ambiente preferido de Catuia, que ela enfrentou por mais de uma hora a enxurrada de perguntas, em algumas horas apenas respondendo: “A gente esquece muita coisa”, evidenciando que embora bastante lúcida para a sua idade, a memória falha, como já era de se esperar.
No entanto, comemora o fato de ter uma saúde admirável e como todos a partir de uma idade mais avançada, prioriza a atenção aos problemas do coração, consequentemente, aos de pressão.
Casou apenas uma vez, diz que foi feliz no casamento e que depois não quis mais saber deste assunto. “Sou do tempo em que a gente casava uma única vez”, observa. Confessa que se sentiu sozinha, porém, obteve a companhia dos filhos e netos.
A mais velha de cinco irmãos, lamenta só ter sobrado ela. Além do marido, também já perdeu a companhia dos dois filhos legítimos que teve e também de outros que crescer e ajudou a criar.
Apesar de tudo, não tem rancor, muito menos medo da morte. “A hora chega para todos. Quando Deus quer, precisa, Ele leva... Sinto-me abençoada por chegar até aqui”, reflete.
Dos seus lazeres, lamenta a ordem médica de se manter afastada das suas panelas e de suas receitas. “Sempre gostei de cozinhar. Hoje quanto muito só posso esquentar uma água. Estou proibida de me aproximar do fogão. Eles têm medo que eu perca a força, caía ou me queime”, aponta com pesar.
Por outro lado, diz que ainda tem forças suficientes para outras atividades domésticas, como lavar roupa, capinar ou mesmo varrer a casa. Não tem hora para dormir e confessa que dorme várias vezes ao dia e que sonha bastante também. Não gosta de futebol, pois o define como um “jogo bruto”.
Gosta de ouvir as músicas do rádio ou mesmo ver as novelas que passam na televisão. Quando disposta saí para visitar os vizinhos ou dar uma volta, mas adora mesmo receber as visitas. Adora conversar sobre qualquer coisa, qualquer assunto!
Na vida, a única coisa que diz que realmente lamenta é o fato de não ter aprendido a ler, algo que sempre a deixou inquieta, justamente por depender dos outros para saber do que se trata algum documento ou mesmo escrever um reacado.
Por outro lado, mesmo sem estudos, diz que sempre teve o respeito e educação pelas pessoas, algo que não vê e nem percebe no comportamento atual dos jovens alfabetizados.
“Os verdadeiros analfabetos são os que aprendem a ler e não lêem”, proferiu certa vez o notável Mário Quintana, que também pode ser complementado por Dean Inge: “O importante da educação é o conhecimento não dos fatos, mas dos valores”.
Do mundo tecnológico e virtual está alienada. Aliás, sempre preferiu assim. Não tem ideia, por exemplo, de que seu nome consta na Lista de Supercentenários Brasileiros do site Wikipédia, muito menos de que esta reportagem será publicada no Blog do caderno Mulher Interativa.
Sobre o assunto, lembra-se aos risos da primeira vez que ela e uma prima viram um carro. “Saímos corremos, foi um susto!”, diverte-se. Tanto a visão, como a audição e os movimentos são relativamente bons para quem tem 111 anos.
Sobe e desce firmemente a ladeira da casa onde vive com Teresinha. “Ela ama costurar e nem precisa de óculos”, sinaliza sua cunhada, aos risos concordantes de dona Presolina.
Sem receitas
Catuia diz que não há receitas de longevidade. No entanto, responsabiliza uma herança genética. Sua avó materna, por exemplo, faleceu aos 105 anos depois de sair de um dos bailes da cidade. “Ela adorava dançar e eu também sempre gostei”, entrega ela. Quando perguntamos o que faz da vida mais bonita, ela logo expõe:
“Tanta coisa!”, tomando ar e complementando: “Sempre gostei de festas e adorava ver o Carnaval. Não perdia um”, brinca ela, responsabilizando a avó pelo espírito festeiro, no passado muito oprimido pela escravidão. “Minha avó foi escrava, eu não”, comenta ela, que embora não tenha passado por esse tempo admite que muito sofreu e foi alvo de preconceito.
Parteira
Ainda da avó, pela conversa uma grande referência de sua juventude, herdou também a paixão por uma profissão, já alguns anos extinta. Atuou por muito tempo como parteira! Na profissão, orgulha-se de nunca ter perdido uma criança e culpa sua fé por este feito.
Através das vidas que trazia ao mundo conheceu muita gente importante. Cuidou de muitas crianças. “Sempre tive bons patrões”, explana. A avó foi quem fez o parto dos seus dois filhos e ela, Presolina, quem trouxe ao mundo cinco dos sete filhos de dona Teresinha.
Durante a entrevista, Teresinha respondeu a pergunta de como será a vida quando dona Catuia partir: “Ela vai deixar um vão, vou sentir falta. Hoje agradeço a Deus apenas por ela chegar a esta idade, ser feliz e saudável”.
Sem sombra de dúvida, dona Presolina faz parte daquele seleto grupo de pessoas que quando partir irá deixar tudo muito melhor do que havia encontrado. Viver mais de um século é mais do que ter muita história pra contar, é fazer grande parte desta história, desse período tão longo e ao mesmo tempo tão curto e fugaz.
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