18 de outubro de 2010

DE IMPROVISO E COM PRORROGAÇÃO


Somos um povo talhado pelo improviso, pelas coisas de última hora, pelas promessas de curto prazo com cláusulas de previsíveis prorrogações. Do trabalho acadêmico, à declaração de imposto de renda e ao jogo de futebol: adoramos a última hora e contamos como certo um tempo de acréscimo ao que fora estabelecido. Essas são nossas marcas, nosso jeito coletivo de ser. Um modo meio malandro, despojado da seriedade dos compromissos. Para quase tudo damos um jeito, algum jeito. O jeitinho está em nosso DNA. Isso pode ser um talento ou um defeito, dependendo do lugar, da hora em que se coloque. Com muita jinga, temos grande habilidade para contornar situações, inventar atalhos, abreviar trabalhos e fugir dos grandes esforços. Somado a isto, temos um traço empreendedor: somos mercadores natos. Todas estas características são um orgulhoso patrimônio nacional, nosso jeito brasileiro de tudo fazer de improviso e com prorrogação.



Talvez por isto, acompanhar o trabalho de resgate dos mineiros chilenos tenha sido como viajar a um estranho país estrangeiro: deu para perceber bem a diferença cultural entre o jeito deles e o nosso. Somos vizinhos próximos, mas de mundos distantes. Por lá, planejaram várias estratégias e colocaram simultaneamente em prática três planos de trabalho. Não contentes com tamanha prudência, na hora do resgate, se puseram a testar várias vezes o procedimento. Ah, se fosse com a gente... Planejar não é muito nossa praia e menos ainda fazer ensaios prévios. Esboçaríamos o plano A, só se não funcionasse, então pensaríamos no B.
O que dizer de suas cautelosas previsões? Cumpriram sua missão na metade do tempo previsto. Eles têm uma lógica, um modo de pensar bem diferente. Quando falam em prazo, estão estabelecendo um tempo máximo, diante do qual se comprometem como se estivessem atrasados. Aqui é exatamente o contrário: quando se faz uma previsão, este tempo é pensado como o mínimo, basta ver o andamento da mais corriqueira das obras públicas. Ninguém se constrange ou envergonha de não cumprir prazo: estamos acostumados com isto. Sem falar na mania nacional de dizer que uma ação futura já foi começada, está em andamento – ainda que nenhum ato tenha sido praticado. Preferimos nos enganar com doçura das ilusões a encarar a dureza dos fatos.



Outra diferença notória foi a falta de merchandising: total ausência de patrocinadores. Se fosse por nossas bandas não perderíamos a oportunidade: haveria grandes balões publicitários, empresas diversas distribuiriam “brindes” e não faltariam bonés coloridos com logomarcas e farta distribuição de produtos de apoio. Sem falar nas barraquinhas modelo feira livre, com venda de churrasquinho, pipoca e lembrancinhas com fotos dos mineiros e do acampamento. Famosos apresentadores de TV comandariam as transmissões e câmeras exclusivas da Rede Globo estariam instaladas dentro da mina e em todo o trajeto do resgate; além de promoverem campanha para angariar fundos para o resgate e para as famílias dos mineiros. Faltaria espaço para os políticos de várias jurisdições se acotovelarem diante dos holofotes: de vereadores ao presidente da república – todo mundo ia querer estar presente nos abraços e ter seus minutos de discurso.
Realmente, os alienígenas chilenos são muito esquisitos. Estranho é o Chile, muito estranho. Ou será que estranhos somos nós?

SÍLVIA LÚCIA, psicóloga
silvialcoliveira.blogspot.com
silvialucia.oliveira@gmail.com 

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