3 de setembro de 2010

O afiador de facas

homem afiador de facas - cronica rosane

Personagem de minha infância e completamente esquecido, o afiador de facas de repente, é resgatado na memória por um alto e bom som estridente vindo da rua. Surpresa, corri à janela mais próxima, pois achei inacreditável que essa figura ainda existisse nos dias de hoje. Ainda mais, circulando pelas ruas de uma capital e numa época tão improvável, cuja cartilha do descartável está incorporada aos hábitos urbanos.

Mas sim, ele estava lá em sua bicicleta e com todos os aparatos necessários à profissão. Curiosa, fiquei à espera dos acontecimentos. A paciência com que aguardava me fazia crer estar ele confiante em sua freguesia.

homem afiador de facas  2- cronica rosane

 

E não deu outra. Poucos minutos depois foram surgindo algumas pessoas com facas para amolar. Numa cena típica de cidade interiorana, entre um e outro trabalho eu podia perceber que conversa amavelmente com a freguesia.

Quando criança, eu chegava quase temer o afiador de facas. Embora o sibilo do objeto usado por ele para atrair a atenção (e que até hoje não sei se é corneta, flauta, apito ou outro), encantasse-me, punha-me a criar histórias mirabolantes de terror: talvez fosse ele um malvado que cortasse criancinhas. Ou as velhinhas em suas velhas e solitárias casas para roubar seus colares de pérolas e aneis de ouro com rubi ou esmeralda.

Por outras, associava-o a um encantador de serpentes. Aí, sim, construía uma bela ficção onde ele encantava não apenas esses repteis, mas também pessoas para o circo.

Ah, o circo! Esse era um capítulo à parte em minha criancice. Angustiava-me ver os animais enjaulados e fugia de minha mãe para ir à Praça Tamandaré, geralmente o lugar onde eles se instalavam, para conversar com leões, chipanzés, tigres, elefantes... Todavia, adorava o teatro onde o palhaço era a figura principal.

Em minha ingenuidade imaginativa, as pessoas hipnotizadas pelo encantador de serpentes eram arrebatadas para o teatro itinerante e com ele, saíam pelo mundo a conhecer lugares lindos, a ter contatos com outros povos, outras culturas e a viverem felizes para sempre.

Perdida nas divagações resgatadas da infância voltei à cena presente lembrando-me de que eu também tinha uma quantidade considerável de objetos a serem afiados.

Tarde demais! O afiador já se despedia da clientela. Agora, só me restava aguardar seu próximo silvo estridente. Sem dia e sem hora marcada, teria que ficar ‘de orelha em pe, como prega minha mãe.

imagem cronica - rosane

Por: ROSANE LEIRIA ÁVILA

Blog: http://palavras-versus-palavras.blogspot.com/

E-mail: rosaneleiria@gmail.com

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