9 de maio de 2010
Filhos são para o mundo
“Vossos filhos não são vossos filhos; são filhos e filhas da ânsia da vida por si mesma; Vêm através de vós, mas não de vós. E, embora vivam convosco, a vós não pertencem.” Gibran Khalil Gibran (1883/1931)
Foi da possibilidade de uma nova e, provavelmente, inesperada amizade, que escutei, à queima-roupa, logo no primeiro encontro enquanto nos dirigíamos à cafeteria:
- Não sou uma mãe convencional.
Aguardei o complemento que viria minutos mais tarde.
- Dou liberdade aos meus filhos... Não sou de ficar grudada neles... Não sou ‘dependente’. Estou, sim, sempre bem disposta a fazer com eles coisas que os interessem e agradem. Mas abro espaço para mim, para o que quero e para os meus interesses. E isso, às vezes, não é bem compreendido.
Dias mais tarde, a caminho da academia numa manhã de outono com cara primaveril, buscando um tema para escrever a crônica sobre o Dia das Mães, essa conversa me veio à lembrança e questionei como se ainda conversasse com ela.
- Mas ser uma mãe tradicional, por acaso, é garantia de estabilidade emocional e amor aos filhos? É fazer deles criaturas bem resolvidas, bem estruturadas, corajosas frente à vida, audaciosas para concretizarem seus sonhos e projetos? E, antes disso, é fazê-las ver com clareza e maturidade o que desejam de si, dos outros, da vida?
Claro que não. Há algumas décadas ser mãe convencional em primeiro lugar deixava inequívoca a autoridade e austeridade matriarcal, gerando filhos reprimidos, medrosos e inseguros. Adultos despreparados emocionalmente em lidar com suas emoções, sentimentos, responsabilidades... Gente que procurará eternamente nos outros a base sólida que não recebeu na infância. Gente grande, vestida com uma capa adulta que esconde fragilidade e insegurança.
Hoje, as mães atuais - e não há outro formato nesses tempos modernos senão assimilar e se integrar -, dividem-se em várias partículas de mães para poder dar conta de todas as tarefas indispensáveis do cotidiano como a casa, o trabalho, os filhos, o romance retomado e cuidados pessoais. Mesmo se fracionando para tentar ser um pouco de tudo, ainda tem aquelas que se culpam achando que poderiam dar mais tempo de si. Como se esse tempo já não estivesse na prorrogação excedendo as 24 horas do dia!
A liberdade conquistada de poder fazer suas próprias escolhas, entendendo de vez que laços familiares não são amarras como embarcação em cais de porto tem um custo. O custo da culpa.
Retomei intimamente a conversa na qual ela afirmou que as mulheres se cobram demais, e que o fato dela não ser uma mãe convencional não significava que não exigisse de si. Algumas vezes, quase não podia conter a chegada de uma culpa silenciosa por não corresponder a expectativa dos seus filhos dela em ser uma mãe igual à sua mãe. Embora não duvide do seu potencial. “Considero-me uma boa mãe dentro da concepção que tenho disso”. Contou que o fato de ter desejado ter filhos nunca foi revestido da vontade de que eles orbitassem à sua volta. “Eu tive filhos, mas nunca quis que eles ficassem ao meu redor. Para mim, os laços familiares são casuais e o elo que nos une é maior do que o físico. Então, não vejo necessidade de ficarmos sempre juntos para estarmos bem. A menina até me entende um pouco mais, mas o rapaz, não”, afirmou.
Daquela vez, consegui argumentar a tempo:
- Mas enxergar os filhos como filhos do mundo e para o mundo, é lhes dar uma liberdade amorosa, deixando-os interpretar o papel que quiserem nessa vida, abrindo-lhes os olhos de que para cada conquista ou derrota haverá um preço a ser pago. E um troco a ser recebido. Bom ou não.
Rosane Leiria Ávila Mulé
Blog http://palavras-versus-palavras.blogspot.com
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