6 de novembro de 2010

Arco-íris



Desceu os dois degraus na porta do edifício e olhou para o céu. “Daqui a pouco começará a chover!”, pensou.
Ganhou a rua e apressou o passo, numa tentativa de chegar a garagem antes da chuva. Na verdade, quase corria.
Numa virada brusca para virar a esquina, bateu violentamente em alguém e caiu. Ou alguém bateu nela. Não sabe definir.
E foi, então, que o tempo parou no azul infinito de um par de olhos surpresos.
- Desculpe-me, por favor, falou a pessoa, consternada.
Ela não respondeu. E nem poderia, embora quisesse balbuciar algumas palavras.
O homem, aparentando 50 anos anos, preoocupou-se ainda mais.
- Você está machucada? Você se machucou?
De novo nada de lhe sair um fio sequer de voz. “Devo estar parecendo uma idiota”, analisou.
E já que a voz não lhe saía, resolveu usar a linguagem dos sinais, indicando que estava tudo bem. Fora só um susto.
Começou a se erguer com a ajuda dele. Juntou a bolsa e os livros que carregava. O joelho esquerdo tinha uma dor ardida. Não tanto quanto o ombro, que era uma dor mais contundente.
Porém, não comentou nada com o homem. Estava mais estarrecida pela sensação de já conhecê-lo profundamente, do que pelo tombo que levara. Aparentemente, o mesmo acontecia com ele. Embora ele conseguisse muito bem articular as palavras. Se bem que, por alguns segundos, apenas alguns, ele ficou parado fitando-a, como que buscando resgatá-la imediatamente de algum lugar em sua memória.
Agora a chuva já começara. Despediu-se apressadamente. Ele ainda lhe estendeu um cartão que, na pressa escorregou de sua mão e caiu no bueiro. Atravessou a rua e já estava quase entrando na garagem quando escutou um estrondo, seguido ranger de pneus. Apenas um segundo, e começaram os gritos.
Virou-se e viu o homem com o qual encontrara há poucos segundos, estirado no asfalto, a poucos metros da porta da garagem. Dava a impressão de que ele a havia seguido. As pessoas já se juntavam em sua volta do acidentado.
Como num sonho, lentamente, ela começou a se dirigir até o local apesar de sempre ter odiado ver sangue e carnes expostas (de gente ou de animais.
Empurrou as pessoas e conseguiu chegar até ele estava. Havia muito sangue, mas ela não saberia definir de onde provinha. Porém, o rosto estava intacto e limpo e seus olhos, que estavam fechados, abriram-se quase no mesmo instante em que ela se abaixou.
Seu olhar pedia pra que ela aproximasse seu rosto do dele. Parecia que tinha algo a lhe falar. Quando estava bem próxima, alguém lhe puxou, retirando-a. Eram os paramédicos.
Ele foi colocado na ambulância. Perguntaram-lhe se o conhecia. Acenou que sim, para seu espanto.
- Então venha, disse-lhe o médico.
Ela entrou na ambulância e sentou-se perto. Pegou a mão dele e pediu muito a Deus que ele sobrevivesse. E, incrivelmente, ele parecia saber que ela rezava porque, apesar do corpo não reagir, os olhos estavam vivos e atentos ao seu rosto.
O trajeto até o hospital lhe pareceu uma eternidade: o trânsito estava lento e a chuva, agora torrencial, complicava tudo.
Quando finalmente chegaram ao Pronto Socorro e ela suspirou, aliviada, ele também suspirou. Para o homem, significava o fim de sua jornada.
Alguém lhe estendeu a pasta dele, que ela pegou e apertou contra o peito. Desceu da ambulância alguns minutos depois que todos se foram. Caminhou lentamente até o meio-fio da calçada e estendeu o braço para um taxi que passava.
Como um robô mal programado, indicou o endereço ao motorista. Olhou pela janela do carro e viu que a chuva diminuíra bastante.
- Moça, é aqui? Acho que chegamos, disse-lhe o motorista algum tempo depois.
- Sim. É.
Pagou a corrida, desceu do táxi e viu que agora fazia sol. Um sol de final de tarde. Girou a chave na fechadura e olhou para o céu. Azul, de um infinito azul. E lá, bem no centro do universo azul, um arco-íris.
“E Jimmy foi ao arco-íris”*, foi o que lhe ocorreu.

(* "E Jimmy foi ao arco-íris", livro de Johannes Mario Simmel, 1972).

Por: Rosane Leiria Ávila
Blog: CONTORNO DAS PALAVRAS (palavras-versus-palavras.blogspot.com)
e-mail: rosaneleiria@gmail.com

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