6 de janeiro de 2010

O poder e a fé da Iyá Maria da Graça d’Oxum

Conhecida também como "Mãe Duxa", Maria da Graça é uma mãe de santo e lider espiritual atuante, atingindo por isso prestígio e reconhecimento em âmbito nacional

Foto: Mirian Fichtner

* Escrito por Bruno Zanini Kairalla - bruno.kairalla@gmail.com
* Editora Rosane Leiria Ávila - rosane.jornalagora@gmail.com

“Esse foi um ano maravilhoso”. Assim define o término de 2009 dona Maria da Graça, ou para os seus aproximados 200 “filhos”, Iyalorixá Maria da Graça d’Oxum, conhecida também na cidade como “Mãe Duxa”. Aos 58 anos, Graça pode ser considerada uma das rio-grandinas de maior destaque de 2009.

Isto porque ela acaba de completar 51 anos de religião e 35 como Mãe de Santo e líder espiritual do Centro Espírita Oxum e Xangô, um local que segue tradicionalmente os princípios religiosos para os quais é voltado e que, por conta disso, atingiu reconhecimento e prestígio em âmbito nacional e internacional. Mas nem só por isso o destaque.

Foto: Mirian Fichtner

Através de seu centro, Graça se tornou uma representante pela luta contra a intolerância religiosa e com isto recebeu no dia 18 de novembro o Prêmio Zumbi dos Palmares, uma homenagem concedida a personalidades e entidades com reconhecida atuação em defesa da comunidade afro-descendente.

Em sua 2ª edição e instituído pelo deputado estadual Raul Carrion (PCdoB), o prêmio foi repassado à Graça pela Assembleia Legislativa do RS durante a Sessão Solene Comemorativa ao Dia Estadual da Consciência Negra, no interior do Plenário “20 de Setembro”, do Palácio Farroupilha.

Foto: Mirian Fichtner

Exatos 30 dias depois, foi a vez da rio-grandina retribuir o carinho (foto acima). Na noite da sexta do dia 18, Carrion foi uma das autoridades políticas que prestigiou a festa de encerramento dos 51 anos da mãe Iyalorixá, evento que se traduz como a maior obrigação religiosa do ano para o Centro Espírita Oxum e Xangô. Na ocasião, Carrion recebeu a homenagem de agradecimento pelo prêmio concedido à Iyalorixá.

Fotos seguintes: Liége Barbosa
Na Assembleia Legislativa do RS, sendo homenageada durante a Sessão Solene Comemorativa ao Dia Estadual da Consciência Negra, no interior do Plenário “20 de Setembro”, do Palácio Farroupilha.

Caminhada no RJ
Foto de Liége Barbosa, publicada durante o encontro pelo site do jornal Folha de São Paulo

Outro fato que destacou a atuação e o empenho de Graça neste ano foi a sua participação na 2ª edição da Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa, realizada no dia 20 de setembro, no Rio de Janeiro. De forma pacífica, alegre e entoando “Eu tenho FÉ”, cerca de 50 mil pessoas lotaram a orla da praia de Copacabana, cujo trajeto foi percorrido ao som do Olodum e Ilê Ayê. Na caminhada, líderes de diferentes movimentos religiosos, representações jurídicas e políticas e simpatizantes pediram o fim da intolerância, em especial à religião de matriz africana.

No RJ, com o diretor artístico do Olodum, Dom Jorge (foto: Liége Barbosa)

O evento concentrou judeus, ciganos, muçulmanos, católicos, budistas, hinduístas e evangélicos, que unidos aos afro-religiosos de inúmeras partes do Brasil reivindicaram uma legislação mais rígida nos casos de intolerância. Assediada pela imprensa, Iyalorixá também salientou a importância do encontro.

Dona Maria da Graça sendo assediada pela imprensa, logo após a caminha no RJ. Na foto de Liége Barbosa, Graça concede entrevista ao canal Futura

“Sofremos um caso grave de intolerância e queremos evitar que o mesmo ocorra com outros religiosos. Lutamos por respeito e liberdade para podermos praticar a nossa fé em paz”, reivindicou Graça que, por ter uma trajetória reconhecida, recebeu os cumprimentos das inúmeras lideranças políticas e religiosas.

A entrevista

Após a festa de encerramento dos 51 anos da Mãe Oxum, que durou 21 dias, Graça recebeu a equipe do Mulher em sua casa, mais precisamente dentro do seu quarto. Ainda cansada pela organização do maior evento da casa, ela se confessou uma mulher reservada, avessa a aparições e entrevistas, mas que por todo o carinho que possui pelo Agora e ao seu diretor, Germano Toralles Leite, nos concedia o encontro que durou mais de duas horas. “Sempre me mantive no anonimato, pois a intenção é cuidar dos meus filhos”, pontua ela.

Do diretor do Agora, ela recorda a participação que ele teve em sua vida:

- Na época que era enfermeira, um dos filhos dele se acidentou de motocicleta e ele me contratou para cuidar dele por alguns meses. Ele me chamava de Alcione. Sou muito grata a ele, pois, na época, eu não tinha nem o que comer. Tive que mandar meus filhos para outra cidade, pois não tinha como me manter. Ele é uma pessoa que tenho hoje o maior respeito -, justifica.

No decorrer do encontro, capturamos importantes trechos de sua vida e procuramos “despir” a mulher que por conta da sua fé e religiosidade já enfrentou ao longo de sua trajetória diversos tipos de preconceitos e com eles muito sofrimento. “Valeu a pena a vinda do deputado, pois este foi o primeiro reconhecimento que tive em todos os meus 51 anos de atuação. Até então, eu só sofri. E de sofrimento eu não quero mais falar”, evidencia.


Os sofrimentos a que se refere são relacionados ao fechamento da entidade que mantinha para crianças e jovens carentes e também ao processo que sofreu de um vizinho logo no início desta década. Sobre os sofrimentos que sofreu e carregou, ela enfatiza que é difícil dizer se foram motivados por sua cor/raça ou pela religião que segue. “Um sempre levou ao outro”, argumenta.

Há dez anos vivendo seu segundo casamento, Graça é mãe biológica de três filhos e de outros que adotou durante a vida. Formada em Enfermagem, atuou por um bom período na profissão, dentro do Hospital Santa Casa. Filha do antigo capitão da Brigada Militar e comandante de presídio, ela diz que nasceu com o dom e a vocação voltada para a religião afro-brasileira, da nação Gege.

Prestígio
Entre os seus 200 “filhos de religião” estão influentes nomes não só da cidade como do país inteiro. Por sua fama que corre o mundo, Graça já foi chamada para levar a sua fé a artistas ou celebridades que chegam para se apresentar na cidade; outros convidam-na para ir especialmente em suas casas.

Foto: Liége Barbosa
Com o ministro da Igualdade Racial, Edson Santos, no RJ.

A simpática senhora também é reconhecida por promover em sua casa festas religiosas de grande porte, bem organizadas e produzidas. “Esse é o meu estilo. Um estilo que conta é claro com o apoio e ajuda dos meus filhos e simpatizantes, nunca faço nada sozinha. Só é possível isso por causa deles”, acrescenta.

Seleção
Para ser um filho da Iyá Maria da Grça d'Oxum não é nada fácil. É preciso passar pelo seu rigoroso critério de avaliação. “Muitos chegam aqui com vícios de outros locais, por isso seleciono, porque entrar por entrar numa religião é fácil. Trabalho com pessoas que buscam um objetivo na vida, saúde, prosperidade e que estão atrás de força espiritual para seguir a sua caminhada”, estipula. Ela, que já foi ameaçada de morte, corrobora que é preciso essa peneiração. “Tudo o que faço é feito com muito amor e cobro isso de quem entra aqui”, fala.

Em seu centro, Graça salienta que atende no máximo duas pessoas por dia. “Não tenho um tempo determinado para atender. Uma consulta pode durar até quatro horas ou mais”, explana.


Uma das principais políticas que rege o seu centro é a cooperação entre os integrantes: “quem tem mais ajuda quem tem menos”. Por conta dessa política, a família executa várias ações sociais, de amor ao próximo, como na última Páscoa em que doou mais de 700 kits de Páscoa na festa organizada para crianças carentes do bairro Castello Branco (foto acima) ou mais recente, nos custeios dos estudos de Ensino Superior de um jovem. “Não foi o único. Já ajudamos várias pessoas a concluírem seus estudos. Aqui, ajudamos uns aos outros”, comenta ela.

Mitos


Pelo dom e seriedade que possui em tudo o que faz, Graça sempre foi reconhecida pelos seus filhos. Mas o destaque da sua força religiosa também desperta em muitas pessoas sentimentos ruins, como ciúmes e inveja. Sobre isso, ela fala do mito que se tornou em volta do seu trabalho. “Com os anos, as pessoas me rotularam como “Nega do Ouro”. Alguns falam que para ser meu filho precisa ter rios de dinheiro. Isso nunca foi verdade. Se tenho tudo o que conquistei, muito eu ganhei dos meus filhos e se eu ganhei é porque alguma coisa boa fiz para alguém”, impõe ela.


Às críticas, ela responde: “Hoje sou a Mãe de Santo mais feliz do mundo. Com os anos, aprendi a conviver com estes sentimentos ruins, pois sei que só vai falar de mim quem não conseguiu chegar onde cheguei. Nunca ninguém me mudou e nada vai me mudar”.


Questionada sobre sua forte personalidade, ela se autodefine: “Sou uma mesma pessoa amorosa, carinhosa, afetiva e muito rígida quando tenho que ser. Também sou uma mulher simples, humilde, que no dia-a-dia anda de chinelinho de dedo, bermuda (como no dia de nossa entrevista), mas, se tem um batuque para a mãe Oxum, faço de tudo para oferecer o melhor que puder a ela. Tudo eu faço em amor pela minha mãe”, expõe.

2010
Na verdade, a presente reportagem foi idealizada no intuito de buscar as previsões para a cidade do Rio Grande no ano de 2010, como o Mulher bem faz em todos os anos. Diante ao atual reconhecimento de dona Graça, resolvemos pedir a ela traçar esse panorama “futurístico”. Entretanto, Graça reforça que sua religião está calcada a uma tradição e um fundamento que a diferencia das demais religiões espíritas. “Não se trabalha com aquilo que não se pode prever ou está muito longe de acontecer”, resume.


Com a sua seriedade, ela revela apenas que 2010 será para todos um ano de prósperas transformações, regido pela rainha das águas, Yemanjá.

- “Ela vem junto com os orixás, Oxalá e Ogum. Um ano de vitórias e muito bom para quem quer e precisa de mudanças. Só que com Yemanjá é preciso ter também cautela. Quando se entra no mar, por exemplo, entra-se sem saber se no próximo passo terá ou não um buraco, correto? Esse é o ano de Yemanjá. Vai ser, sem dúvida, um ano maravilhoso. Tem que acreditar, até porque o que a gente acredita, acontece”, discorre ela, uma prova viva disso. Ela sugere ainda as cores do novo ano: “Azul e branco”.


E se 2009 foi um ano maravilhoso para ela, o próximo ano será ainda melhor. “É o que eu acredito”, diz e continua: “A intenção é manter minha casa com um bom fundamento religioso, que tenha cada vez mais qualidade e não quantidade”.

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2 comentários:

  1. Mãe muito obrigado por existir em minha vida
    TE AMO MUITO!!!
    tua filha eliane.

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  2. meu nome e marcia sou filha do cloudio seu ex esposo,adorei ter sua historia sobre a religião.gostaria de conhece-la algum dia beijos

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